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Ameixial

UM PÉ NO ALGARVE E OUTRO NO ALENTEJO

Desde de pequeno que sempre gostei de ver mapas. Mesmo de locais que eu não conhecia. Adorava e ainda gosto de perder-me no tempo, analisando, observando, sonhando viagens por terras desconhecidas ou estradas anónimas. Imaginem só, que uma das melhores prendas que recebi foi um atlas. Como eu gostei daquele livro.

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Esta rota nasceu de um desses meus “namoros” com mapas. Mais concretamente, o livro Percursos Pedestres e de BTT no Concelho de Loulé, numa edição da própria Câmara Municipal de Loulé. Neste guia propõem um percurso de BTT para o Ameixial, a aldeia que fica no extremo norte deste concelho. Mas, os 26 km deste percurso pareceram-me curtos. Por isso, comecei a imaginar possíveis ligações. Agarrei em duas propostas pedestres, do mesmo guia. Uma do Azinhal dos Mouros e outra de Revezes. E não é que todos juntos criam um belo percurso, com cerca de 55km, que passa pelas mais emblemáticas zonas da região. Nestes momentos, em que descubro ou melhor em que os mapas me surpreendem, nasce dentro de mim um entusiasmo vibrante. De tal forma intenso que só me apetece partir, pedalar por essas linhas, sentindo a realidade, os cheiros, as paisagens, os trilhos…

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A estrada que nos leva até ao Ameixial não podia ser outra, tinha que ser especial. É a famosa E.N. 2, também conhecida como a Estrada Património. Bem como, a estrada mais longa, atravessando de Norte a Sul de Portugal.

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Impelido pelo fogo do entusiasmo nem dou conta das muitas curvas. Há quem diga que são 365. Não sei! Nem as contei, nem dei pelo tempo. A paisagem ajuda a fluir no tempo.

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Já no Ameixial, tirando a bicicleta do carro e o resto do material, é que eu me apercebi das horas… Principalmente, pela expressão da minha barriga, que anunciava a hora do almoço. Felizmente, isso não é problema nesta terra, onde qualquer café tem umas valentes e saborosas sandes de bom presunto e pessoal simpático para trocar uns dedos de conversa. Que é sempre bom, para conhecer melhor o lado humano da região.

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Barriguinha cheia e mais uma dose guardada na mochila, para aquele momento… Agarro na minha bicicleta, ligo o gps e abro o respectivo track. Com um “até já”, despeço-me de três homens que me observavam com curiosidade, enquanto bebiam as suas minis, à porta do café.

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As primeiras pedaladas foram recheadas de um misto de curiosidade, principalmente por onde ia passar, e de uma certa sensação de déjà vu. Pois, já conhecia estes primeiros quilómetros de outras aventuras. Contudo, logo no início algo bem anormal surpreende-me (para esta zona do Algarve). A antiga fábrica da cortiça está transformada num parque para caravanas. E estava cheio! Impressionante e estranho ouvir alemão, francês, holandês e outras línguas nesta parte da serra do Caldeirão.

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Pouco mais à frente entro numa das mais curiosas e interessantes aldeias da serra, o Azinhal dos Mouros. Que tem a particularidade de ter uma enorme muralha de figueiras-da-índia, que outrora terá servido para a sua protecção contra invasores.

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As vistas também são simplesmente lindas e o gps indica para baixo, em direcção à ribeira do Vascão. Ou seja, ordem para largar travões e curtir por ali abaixo. Primeiro por uma estrada estreita, com um piso muito bom para ganhar velocidade. Depois, entro num estradão xistoso, com alguma pedra solta, rodeado pelos aromas das estevas. Mas, sempre com a gravidade a ajudar e a embalar-me.

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No final da descida entro numa estrada mais plana, que acompanha o Vascão.

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Uma placa alusiva ao Moinho da Chavachã chama a minha atenção. Muitos destes antigos moinhos de ribeira estão em ruínas. Mas este, ainda está muito bem conservado. Infelizmente, estava fechado e não deu para apreciar a parte interna dos mecanismos. Todavia, o exterior é suficiente belo para não deixar alguém indiferente. É um daqueles locais que apetece ficar ali deitado a dormir uma valente sesta.

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Depois de uns minutos de contemplação e meditação no moinho da Chavachã voltei á carga no pedal. E se, até aqui foi quase sempre a descer, agora voltava a subir até chegar ao Lagar, um pequeno povoado de umas três ou quatro casas, com uma bela vista panorâmica.

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Na descida seguinte, um belo caminho ladeado por muros de xisto e oliveiras, leva-me de regresso até à da ribeira do Vascão. Nesta zona tem pouca água e pedra no fundo. Por isso, foi fácil passar para a outra margem.

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Sem avisar, o caminho começa a inclinar e a subir pela serra acima. Não estava à espera de uma subida assim. Até aí, tinha sido tudo muito fácil. Agora não. Ui! Até as pernas gemeram. Apesar desta dificuldade, a zona é bem linda. O caminho vai serpenteando por meio de grandes sobreiros até chegar a uma pequena aldeia. O nome desta não podia ser melhor, vejam só, chama-se Vermelhos! Bolas! Bem vermelho, cheguei eu lá em cima, depois daquelas rampas (algumas passam dos 18%!) Passo lentamente pelas ruas da aldeia. Não se vê ninguém. Paro um pouco para contemplar o casario e a paisagem. Aproveito para tirar umas fotos (e baixar as rotações do motor). Este vazio aparente provoca uma certa paz de espírito.

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Bom! Já chega, bora lá continuar. O gps indica uma nova descida. E que descida! “Já tinha valido a pena subir até aos Vermelhos” – pensava eu. Bem… Há um aspecto menos positivo. É uma estrada, com um excelente piso, sem exigências técnicas. É pá!!! Também não é assim tão fácil. Pois, está cheia de curvas e contracurvas, bem enroladas. Ou seja, uma delícia!

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O final da descida coincide com a passagem sobre a ribeira do Vascanito, afluente do Vascão. Mas, também é a fronteira entre o Algarve e o Alentejo. Ah… pois é! Esta rota é inter-regional! As muitas travessias de ribeiras quase sempre coincidem com mudanças de região.

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E agora com os pés, ou melhor as rodas no Alentejo cruzo-me com Corte Pinheiro, a primeira localidade desta região. Diferenças? Huumm… Bem… Este Alentejo não tem nada a ver com planícies e chaparros. Aqui quem continua a mandar é a serra.

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A partir de Corte Pinheiro o percurso entra num largo e rápido estradão de terra. Este segue bem juntinho ao Vascanito e vai mesmo até ao ponto em que ele se junta à grande ribeira do Vascão. Este vale tem uma paisagem fabulosa, proporcionando belos momentos panorâmicos.

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Depois de mais uma passagem para o Algarve, surge na localidade do Tavilhão a travessia mais especial do Vascão. Aqui, o leito da ribeira é bem largo e tem bastante água. O caudal não é muito, pois a profundidade até é pouca. Mas, o passadiço pedonal chama a atenção, por ser longo e por obrigar a saltar de bloco em bloco. Aqui o desafio é mesmo passa-lo com a bicicleta às costas, voltando ao Alentejo. Estas travessias proporcionam momentos espetaculares, onde a contemplação da Natureza é ponto fulcral. Pelo menos, a mim provoca um fascinante encantamento, em que me sinto como (mais) uma peça de todo este bonito cenário.

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Nova travessia dá-se sobre uma bela ponte branca e amarela, por onde passa a E.N.2., voltando logo à esquerda, para o Tasnal. Após uns poucos quilómetros numa estradinha estreita, volto a entrar nos caminhos de terra. Pouco a pouco, os caminhos vão ondulando pela paisagem, num suave sobe e desce, intercalados por pequenos montes agrícolas, poços, eiras e outras estruturas mais estranhas. Mas, uma das passagens mais marcantes foi um ninho de cegonha, mesmo ali à mão. E lá estava a cegonha com os pequenotes sem medo deste estranho. Uau!

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Após mais umas travessias do Vascão, foram tantas que até perdi a conta, oiço uma bela música ao longe. Conforme vou chegando mais perto, o som fica mais presente, ecoando no vale. Num vasto olival, cheio de erva bem verde, pastava alegremente um enorme rebanho de ovelhas. Eram os guizos delas que enchiam todo este vasto vale com a sua bela melodia.

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A passagem pela aldeia de Revezes é marcante em vários aspectos. O primeiro, é logo a forma como se chega. O caminho obriga a atravessar a vau uma pequena ribeira cheia de flores. Enquanto avanço, com pequenas pedaladas, as flores abrem uma via livre e depois voltam a juntar-se! Isto tudo com vista para a aldeia, que tem o seu casario construído desde da margem até ao alto de um monte, formando um bonito postal.

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Depois de passar por Revezes o percurso muda de forma. As subidas voltam a ser longas e os montes bem mais altos. Mesmo o piso fica mais agressivo q.b.. Os caminhos são bem mais estreitos, com muita pedra solta, essencialmente xisto.

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Numa das longas subidas, chego a uma bifurcação. Apesar do track indicar para a direita, sigo pela esquerda, na direcção de uma placa que diz: Monte Branco. Nem pensei, simplesmente segui, por ali a fora. Um pouco mais à frente passo pelas poucas casas do monte, onde uns “simpáticos” rafeiros alentejanos avisam: “Isto é nosso, ó estranho! Cuidado!”. Apesar de estar num iminente ataque, arrisquei mais uns metros. Eles lá deixaram e eu consegui ver a paisagem. Esta é linda e vasta. No fundo passa o Vascão, numa dança cheia de curvas por um extenso prado verde.

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A partir do Monte Branco, e sem mordidas, volto para a rota principal. O percurso continua a subir até bem perto dos 400m de altitude. No alto destes montes a paisagem é fabulosa. Dá para ver quase tudo. Desde da serra de Monchique à própria aldeia do Ameixial. Mas, uma forte e fria ventania sugeriu que seria melhor curtir a descida seguinte. E nada melhor para aquecer uma bela descida, cheia de curvas e pedra, acompanhado sempre por uma bela paisagem. São quase 5 km até voltar a passar por Revezes e são praticamente sempre a descer. Lindo!

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Uma suave, mas longa subida leva-me de volta ao Ameixial. O caminho sobe por meio de sobreiros e eucaliptos quase até à aldeia. Neste momento, quase nem ligo aos aromas dos eucaliptos. Pois, sei que estou quase a chegar ao fim… E isso significa, que o Café Central da Serra está mesmo ali ao virar da esquina com as suas saborosas sandes de presunto e queijo da serra.

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NOTA INFORMATIVA: O artigo foi publicado na revista Bikes World Portugal, nº 21, do mês de Junho, 2016

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Ficha Técnica:

Ameixial

Início do percurso:  N 37°21'47.31" - W 7°57'44.82"

Distância: 55,1km

Subida acumulada: +1106m

Ponto mais alto: 475m (Vermelhos)

Ponto mais baixo: 233m

Observações: 

Este percurso deserola-se em plena Serra do Caldeirão, por isso mesmo tem longas subidas e descidas. Contudo, sem grande sdificuldades técnicas.

O ponto + inclinado: 15,7%; A maioria das subidas ronda os 6% e 14%.

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