De bicicleta
Pedalando na minha Terra
GR 23 - Cachopo
UMA ROTA ESQUECIDA

Em pleno coração da serra do Caldeirão existe uma GR quase esquecida que promete a “descoberta do mundo rural”
Toca o despertador. Ainda é bem cedo. Não se houve nada. Toda a gente ainda dorme. Na cama está-se tão bem. Raios! Mas, que coisa é esta que me faz levantar a estas horas. Talvez seja a “alma de ciclista”. Será? Bom. Agora, não vale a pena reflectir sobre isso. Quero é tomar o pequeno-almoço.
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Com uma bela chávena de café na mão decido ir ver como está o tempo. Pelo menos, na net afirmavam que não chovia. Huuummm. Mas, este Céu está um pouco escurinho. Não sei não?? Bom, vamos lá esquecer essas ideias menos positivas e confiar.
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Entro no carro, verifico se tenho tudo e bora lá. Luzes acesas, uma certa neblina e uma estrada quase vazia. As rectas do início passam a ser curvas, cada uma mais “enrolada” do que a anterior. Ao abrir a janela entram os aromas das estevas e das terras xistosas molhadas. Este cheiro a serra é a inspiração que faltava.
Esta estrada, a E.N.124, leva-me na direcção a Cachopo. Esta bela aldeia algarvia situa-se em plena Serra do Caldeirão, a cerca de 40 km a norte de Tavira. É um dos locais ideais para observar as paisagens da zona serrana, conhecer o modo de vida das suas populações e descobrir o património construído por sucessivas gerações ao longo de milénios.
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Chego a um pequeno largo, no centro de Cachopo. Estaciono o carro, com os primeiros raios de Sol a romperem as densas camadas de nuvens cinzentas. Saio e encho bem o peito com o ar fresco da serra. No meio surge um leve aroma a café. Este leva-me ao Retiro dos Caçadores. Um café muito simples e humilde, onde aproveitei para comprar umas belas sandes de pão caseiro, com queijo e presunto. Tendo em conta que neste percurso não existem cafés, é importante ir prevenido.
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Decidi fazer a GR 23 no sentido dos ponteiros dos relógios. Mas, o que é a GR 23? Aliás, explica lá o que é uma GR! Ok! Assim sendo, no fundo “GR” significa Grande Rota, que normalmente está registada na Rede Nacional de Percursos Pedestres e deve ter mais de 30 km de extensão. Esta GR 23 tem pouco mais de 46km, com um percurso circular que percorre as antigas vias que serviam as populações locais nas rotinas diárias: levar cereais aos moinhos de vento ou água, ir às hortas ou a Cachopo, o atalho do carteiro, etc.. A sinalização tem as típicas marcas vermelhas e brancas. Bem como, uns marcos mais antigos de cor verde. Estes estão a ser substituídos por uns mais actuais e robustos ao tempo.
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As primeiras pedaladas pelas ruas estreitas de Cachopo revelam um encanto muito particular. As ruas são estreitas e pacatas, quase labirínticas. Pouco depois de sair da aldeia, entro na terra. Umas dezenas de metros foram o suficiente para ter ficado completamente apaixonado. Os tons verdes misturados com o xisto e os sobreiros… Lindo!
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Depois de passar a Currais, seguindo por um largo estradão de xisto, que vai subindo calmamente pelos montes acima, oferecendo cada vez mais e melhores vistas panorâmicas. É impressionante verificar como é lindo o Caldeirão.
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Após uma longa descida, com alguma pedra solta, mas sem dificuldades técnicas de maior. É daquelas que apetece largar travão e curtir por ali abaixo. Chego lá bem no fundo, cruzo a ribeira da Leiteja, e de seguida volta tudo a subir. Esta é uma enorme e demorada subida. Está visto, que este percurso exige alguma preparação física.
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Nesta parte a GR 23 é coincidente com a Via Algarviana e percorre os altos dos montes, sempre num sobe-e-desce. Nas partes mais altas, que chegam a passar os 500m de altitude, atrás de cada curva encontro uma vista mais bela do que anterior. É de ficar ali, olhando, simplesmente, olhando para o horizonte, juntamente com este tipo de silêncio… Só Natureza. Quase num estado de comunhão com esta bela serra. Para quem gosta de pedalar sozinho, estes pontos são perfeitos, para aquela paragem meditativa no meio da Natureza.
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Com cerca de 15 km surge mais uma aldeia, a Feiteira. Muito bonita com as suas ruas estreitas e casario branco. Aqui existe um dos três Centros de Descoberta do Mundo Rural, que no fundo são antigas escolas primárias reconvertidas em albergues para turismo ambiental. Uma bela ideia, mas também um bom ponto para “atacar” uma das sandes, sentado à porta, com uma bela vista para sul. Além disso, também existe uma destilaria de medronho, onde é possível visitar (é necessário marcar com antecedência) e provar este saboroso néctar da serra do Caldeirão.
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A partir da Feiteira a paisagem muda um pouco. Mas, o tipo de caminho continua muito idêntico, apesar de ter muita pedra miúda, basicamente xisto, proporciona sempre uma boa tração e controle da bicicleta. As montanhas são mais baixas e onduladas. A paisagem é vasta, ampla e quase vazia, de vez em quando surgem alguns sobreiros, eucaliptos e pinheiros. Este cenário resulta do último incêndio que devastou grande parte da flora da zona. Mas, é bem gratificante observar grandes extensões de plantações de sobreiros e pinheiros bem novinhos.
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No final de uma longa descida surge pela primeira vez a ribeira da Foupana. Tem bastante água, mas com pouca corrente. Tiro os sapatos e as meias. Com a bicicleta “ao colo” entro na água. Fria e cheia de pedra, que resultou numa massagem um pouco dolorosa. E depois, soube tão bem calçar as meias e os sapatos secos.
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Umas centenas metros mais à frente, volta outra vez a ribeira da Foupana!!! E com mais água ainda! Não achei piada nenhuma. No lado de lá da margem tem um parque para piqueniques e tudo parece crer que a GR vai por ali…E assim, acontece o meu único erro de navegação. Só mesmo depois de ter passado para o outro lado é que me percebi. Pois, fiquei tão focado como passar toda aquela água, que nem me apercebi que havia um caminho à direita, um pouco antes da ribeira. E assim, quem passa uma, passa duas ou três, não é verdade?
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De volta ao caminho certo, passo ainda por um conjunto de casas abandonadas, daquilo que terá sido em tempos uma pequena aldeia.
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Os estradões de piso confortável regressam, ondulando sobre os montes e barrancos. Mais à frente entro numa deliciosa descida que acaba na aldeia da Mealha.
Mesmo à entrada, estão três velhotes sentados na paragem do autocarro. Aproveito para perguntar onde fica o café. “Ó amigo, aqui ninguém bebe café! Por isso não temos café.” Responde um com sentido de humor. Esta boa disposição é talvez o reflexo da beleza da Mealha. Outro aproveita e convida-me para ver e apreciar as Casas Circulares, típicas desta localidade.
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Convencido, lá dou uma volta pela aldeia e de facto, é muito bonita. Este passeio pela Mealha oferece uma oportunidade para observar estas casas típicas feitas de xisto e telhado de palha. Estas têm qualquer coisa que faz lembrar os tempos da cultura castrense.
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Hoje, esta bonita aldeia provavelmente não parece muito diferente do que era há cerca de 50 anos atrás. Para quem prefere fazer esta rota com calma, com a família ou amigos, pode optar por ficar aqui a dormir na antiga escola primária, também transformada num Centro de Descoberta do Mundo Rural, tornando assim o esforço físico mais ligeiro e desfrutando mais calmamente das belezas da Mealha.
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A partir daqui, o percurso leva-me até a um local com uma construção do Neolítico, a Anta de Masmorra. Depois, volto a descer até encontrar, mais uma vez, a ribeira da Foupana. Do outro lado, já dava para ver o que aí vinha. Mais uma vez, volto a molhar os meus “pezinhos” e começo a constatar que esta subida vai demorar um bom bocado a despachá-la. Além de ser longa, o acumulado já vai provocando algum desgaste. Bom, há que ter paciência e colocar os andamentos mais leves, aguentando firme. Felizmente, a paisagem é linda e serve de distração. Voltam as vistas panorâmicas e os vales bem verdejantes.
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Depois desta, tudo torna-se um pouco mais fácil. As subidas e descidas são mais suaves. E assim é, até chegar às Casas Baixas, a última aldeia com um Centro de Descoberta do Mundo Rural. Aqui tive o prazer de uma bela conversa com a Dona Otília Cardeira, presidente da Junta de Freguesia de Cachopo e a anfitriã perfeita para mostrar e explicar como era a vida nesta zona, bem como, os locais especiais a visitar.
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Ao sair da aldeia, a GR 23 volta a coincidir com Via Algarviana. Até chegar ao ponto de partida entro num estreito vale, quase um barranco, seguindo por um trilho mais estreito e acompanhado pelos tons verdes do início. Estes provocam uma satisfação e um sentimento de gratidão por poder simplesmente ver e sentir a Natureza na sua essência.
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Pouco mais à frente volto a entrar em Cachopo, já com a água na boca, só de sentir o belo cheirinho a comida que vinha do Retiro dos Caçadores. Lá, a patroa recebe-me com um “Então?? Já deu a voltinha? Agora deve querer comer alguma coisinha, não é verdade?”. Pois, está claro que sim.
NOTA INFORMATIVA: O artigo foi publicado na revista Bikes World Portugal, nº 18, do mês de Março, de 2016
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Ficha Técnica:
GR 23 - Cachopo
InÃcio do percurso: N 37°20'2.26" - W 7°49'2.52"
Distância: 46,3km
Subida acumulada: +1228m
Ponto mais alto: 520m (Feiteira)
Ponto mais baixo: 240m
Observações:
Este percurso deserola-se em plena Serra do Caldeirão, por isso mesmo tem longas subidas e descidas. Contudo, sem grande sdificuldades técnicas.
O ponto + inclinado: 17,4%; A maioria das subidas ronda os 9% e 15%.

